Continuamos com o livro de Laudo José Paroni, o Parimemórias.
No capítulo de hoje , o Laudo fala sobre os homossexuais do bairro nos anos 50.
Numa época de muita homofobia, usando muita imaginação e muito jogo de cintura,
no bom sentido é claro, os gays sabiam fazer se respeitar , tratando a todos com mui-
to respeito e amizade, tornando o convívio harmônico com vizinhos e amigos.
“
Entre os anos 50 e 60, a ala gay do Pari tinha também os seus representantes, todos com uma particularidade que mereceria até ser estudada por alguém especializado em comportamento humano: os nomes dos homossexuais, isto é, os seus “nomes de guerra” ( ou pseudônimos, como queiram), eram todos masculinos. Ao contrário de hoje, quando Astolfo vira Rogéria, o Victor apresentava-se como Ilson; Gualter era Walter; Del Rio, um argentino que , segundo diziam, ganhava a vida cantando tango em casas noturnas, mantinha o mesmo nome que usava na vida artística; Vitório, que morava lá pelos lados da Rua Canindé, era Vitório mesmo, dispensava pseudônimos.
O mais discreto de todos era Del Rio. Morava num sobradinho da Rua das Olarias, proximidades da padaria Aviação, atual padaria 2001. Alto, meio gordinho mas elegante, estava sempre de chapéu e não o tirava nunca, no frio ou sob o sol abrasador,o que intrigava a moçada. Até que um dia, sem querer, seu segredo foi desvendado. Ao entrar na Igreja Santo Antônio, Del Rio precisou tirar o chapéu, como manda a boa educação. O gesto revelou a todos a sua enorme calvície,até então habilmente oculta. Quem o conhecia tentou disfarçar o sorriso, escondendo a boca com a mão ou olhando para o alto e para os lados. Inútil. Del Rio percebeu a gozação, desistiu da missa e deixou a igreja. Nunca mais foi visto rezando nas igrejas do bairro.
Ilson e Walter andavam sempre juntos. O primeiro, magro e baixinho, tinha um forte sotaque ítalo-paulistano, característico daquela época. “Pinta lá no treze. Você é um cara legar”. Tradução: “Apareça lá no 13º. andar ( onde ficava a sala de aula em que ele ensinava a dançar ). Você é um cara legal”. O segundo, alto e também magro, falava melhor, denotando ter um pouco mais de estudo. Ilson abriu uma escola de dança numa sala do então decadente Prédio Martinelli. Com isso, ensinava a rapaziada a dançar samba, bolero, tango, mambo e outros ritmos da moda e garantia seu programa de pós-aula. Walter chegava sempre no final de tarde, pois trabalhava numa empresa do bairro, mas a tempo de pegar uma boquinha nos programas de Ilson.
Num desses lances, Walter apaixonou-se perdidamente por um rapaz que tentava aprender a dançar, mas oferecia forte resistência. O cara tinha namorada, o negócio dele era mulher, não gostava de homem. Mas como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, depois de muito insistir, conseguiu seu objetivo. Quando soube que a namorada do moço, uma simpática loirinha, morava na Rua das Olarias, não suportou a crise de ciúmes. Ficou irado, prometeu vingança.Não, ele não se suicidou nem agrediu a garota, como podem pensar os apressadinhos. O que ele fez foi ficar de plantão na esquina da Olarias com a Rio Bonito, até vê-la voltar da feira de sábado. Quando a moça, sem saber de nada, passou por ele, Walter comentou para o Ilson, em voz alta para que ela ouvisse:
– Você viu a mina do Fulano? Tem o pé tão sujo que a gente poderia colocar na sandália dela a placa: “Dá-se terra”.
Claro que o namoro não foi pra frente. E o Walter ficou feliz.
A última notícia que se teve do Illson dava conta que ele morava na Praia Grande e vivia do aluguel de cabines e calções para os turistas avulsos, desses que lá iam em excursão de um dia. Walter aposentou-se e sumiu do pedaço. Dizem que também foi para o litoral. Vitório morreu há muito tempo. Sobre Del Rio, mistério total. “